Itabaiana -

Brilho e declínio de um líder

quinta-feira, 27 de agosto de 2009 , Posted by IASD DE ITABAIANA at 10:24

No período formativo da nossa igreja, ele foi uma estrela de raro brilho. Médico e inventor de renome internacional que, em sua época, tornou conhecida a Igreja ao redor do mundo. Mas John H. Kellogg cometeu alguns erros que mancharam sua vida. Por isso, duas perguntas vêm à tona: Por que ele alcançou tanta fama em seus dias? Que lições podemos extrair de suas atitudes equivocadas com relação à Igreja e seus líderes? Neste artigo, tentaremos responder essas indagações.

Trajetória – Richard W. Schwarz, autor do livro John Harvey Kellogg (Revew and Herald, 2006), afirma que “se Kellogg não foi bem-sucedido em levar todos os americanos a adotar uma dieta vegetariana e persuadi-los a abandonar o café, chá, bebidas alcoólicas e fumo, não foi por falta de denodados esforços nesse sentido.”¹ No prefácio da referida obra, George R. Knight diz: “John Harvey Kellogg é. Sem dúvida, o adventista do sétimo dia mais conhecido de todos os tempos.”

A palavra em que o Dr. Kellogg se apoiou a fim de lutar por um estilo de vida saudável foram os princípios de saúde e temperança ensinados pela escritora Ellen G. White (1827-1915). Por vários anos, ele reconheceu publicamente a importância desses conselhos inspirados, mostrando que estavam em harmonia com a ciência médica. Em seu entusiasmo por essa área, desenvolveu métodos terapêuticos eficazes e se interessou pela medicina preventiva. Mas, por causa de seu zelo exacerbado, muitas vezes entrou em choque com líderes adventistas que relutavam em adotar a reforma de saúde.²

Vejamos as princípais fases de sua trajetória. Em 1873, incentivado por Tiago e Ellen White, matriculou-se no Bellevue Hospital College, em New York, para estudar medicina. Desde o início, foi aluno brilhante. Além do programa regular de estudos, teve aulas particulares com seus melhores professores.

Sua primeira responsabilidade foi a de superintendente do Western Health Institute, em Battle Creek, que fora estabelecido dez anos antes (1866), por orientação de Ellen White. Essa instituição devia prover “um lar para os doentes, no qual pudessem ser tratados de suas enfermidades e também aprender a cuidar de si mesmo a fim de prevenir doenças”.³
Com o objetivo de cumprir zelosamente suas responsabilidades, Kellogg fez várias viagens à Europa a fim de estudar técnicas cirúrgicas com os mais famosos médicos de Londres, Paris, Berlim e Viena.4 Desse modo, tornou-se conhecido como um dos mais hábeis cirurgiões de seu tempo. Ricos e pobres, nobres e pessoas simples vinham de todas as partes do mundo para ser operados por ele. Ao longo de sua carreira, fez 22 mil cirurgias. Numa época em que 15 a 20 por cento dos pacientes morriam de complicações pós-operatórias, ele bateu novo recorde: 165 operações addominais sem resitro de um único óbito. O recorde anterior fora cidade de Birmingham, Inglaterra: 116 cirurgias sucessivas sem morte. Kellogg também escreveu cerca de 50 livros, a maioria dos quais de cunho cientifico. Seu livro mais popular - The New Dietetics [ A Nova Dieta] – é considerado um clássico na lista das obras sobre nutrição.

Além disso, Kellogg inventou aparelhos e sistemas para acelerar a circulação do sangue, reduzir o peso e melhorar o processo digestivo. Sua mente fértil concebeu a ideia de produzir o que atualmente conhecemos como flocos de milho, e também substitutos da carne que “mudaram os hábitos alimentares de milhões de pessoas ao redor do mundo.”5

Desvios – Sob a administração de Kellogg, o Sanatório de battle Creek alcançou projeção internacional, mas aos poucos foi se desviando de seus objetivos originais. Com o transcorrer do tempo, os médicos passaram a ocultar deliberadamente a identificação da instituição com a Igreja. Mas não faltaram conselhos da pare da Sra. White. Certa ocasião, ela escreveu: “Deus precisa ser reconhecido e honrado pelo povo que a si mesmo se identifica como os adventistas do sétimo dia. … E não deve ocorrer a ocultação de nenhuma parte de nossa mensagem.”6
No início do século 20, Kellogg entrou em conflito com os lideres da Igreja, ao tentar obter controle de todas as instituições médicas adventistas com as quais ele estava associado. Em 1901, durante a assembleia da Associação Geral, ele e seus associados se valeram de toda a capacidade de persuasão que lhes era peculiar para conseguir o que desejavam: um novo esquema organizacional, com mais independência. Obviamente, os lideres da Igreja não concordaram co isso.

Além de trabalha na contra-mão dos planos denominacionais, o Dr. Kellogg escreveu um livro - The Living Temple [O Templo Vivo] – impregnando ideias panteístas. Na página 28, por exemplo, ele afirmou: “Deus é a explicação da natureza, o qual Se manifesta em meio de todas as coisas, movimentos e variados fenômenos do universo e por meio deles”. Anos antes, durante um congresso da Associação Geral, ele dissera com muita ênfase: “Essa força que mantém unidas todas as coisas, que está presente em todos os lugares, que palpita por todo o universo, que atua instantaneamente através do espaço ilimitado, não pode ser outra coisa senão o próprio Deus. Quão maravilhoso é pensarmos que o próprio Deus está em nós e em tudo!”.7 Ellen White escreveu muitas cartas a Kellogg, com o objetivo de dissuadi-lo dessas e de outras idéias dissonantes, mas ele jamais se submeteu aos reiterados e pacientes conselhos. “Para Kellogg, era difícil aceitar que líderes denominacionais carnívoros criticassem seu livro The Living Temple.”8

Com o intuito de ampliar sua influência e satisfazer a ambição de grandeza, Kellogg, logo após o incêndio que destruiu o Sanatório de Battle Creek em 1902, fez planos para erigir um novo edifício, com uma estrutura imponente e extravagante. Mais uma vez, a mensageira do Senhor o advertiu dizendo que os “extensos planos para Battle Creek não se harmonizavam com a ordem de Deus”.9 Esse conselho, porém, foi ignorado e, poucos dias antes da inauguração de uma obra construída para gratificar a vaidade humana, Perry F. Powees auditor geral do Estato de Michigam, disse: “O estilo do edifício é conhecido entre os arquitetos como renascentista. … Os pisos de mármore de grande dimensão, em forma de mosaicos, cobrem uma imensa área. O trabalho foi dirigido por um artista italiano. … Quando completado, será um dos mais belos edifícios de Michigan, honrando tanto a cidade como o Estado”.10

Por vários anos, Kellogg acolheu os conselhos de Ellen White, mas à medida que ele se distanciava das orientações denominacionais, passou a fazer restrições aos conselhos dela. Na opinião dele, alguns testemunhos eram genuínos; outros, porém, eram tidos como simples reflexo das ideias esposadas pelos líderes da Associação Geral.

Posteriormente, Kellogg rejeitou totalmente os escritos da mensageira do Senhor, passando a atribuir suas visões a “alucinações ocorridas durante espasmos epilépticos que a acometeram durante sua longa existência.

No dia 10 de novembro de 1907, depois de ter abandonado a Igreja e suas orientações, o eminente médico foi removido da comunhão adventista em Battle Creek.11 Mesmo assim, por meio de manobras jurídicas, conseguiu realizar um de seus sonhos: o controle do sanatório e da fábrica de alimentos. Em 1927, ele e seus associados construíram um edifício adicional, tido como um “elefanta branco”, por causa de seu tamanho. Mas, daí em diante, a instituição entrou em dificuldades financeiras. Com a depressão de 1929, o sanatório sofreu um sério golpe. Depois de outros revezes em 1933 e 1938, o edifício do Sanatório de Battle Creek foi vendido, em 1942, ao governo dos Estados Unidos, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Os credores foram ressarcidos e a Igreja recuperou 650 mil dólares. No ano seguinte, Kellogg faleceu com 91 anos de idade, sem se haver reconciliado com a Igreja.

Lições – A trajetória do Dr. John H. Kellogg é por demais extensa e conturbada para ser analisada em um artigo como este. Prova disso, é a tese doutoral que Rchard W. Schwarz defendeu, em 1964, sobre a vida e obra desse notável homem. Contudo, no livro intitulado John Harvey Kellogg, Schwarz faz um resumo bem objetivo desse personagem singular.
Já vimos alguns aspectos positivos e interessantes da carreira de Kellogg. Mas como todo ser humano tem seu lado graco, o irrequieto médico de Battle Creek não foi uma exceção. A grande diferença entre ele e outros benfeitores da humanidade é o fato de que ele não reconhece suas falhas. Por isso, vale a pena refletir sobre alguns de seus pontos negativos, com o objetivo de extrair lições para a nossa vida.

1° - Orgulho e poder – O Dr. Kellogg tinha baixa estatura, mas suas atitudes eram altaneiras. Inebriado pelo poder, seu desejo de gradeza o perseguiu at´o gim da vida. “Quatro anos antes de sua morte, um de seus assistentes literários pediu demissão pois viu que Kellogg achava impossível delegar responsabilidades”.12
Muitas vezes, Ellen White chamou a atenção dele com relação ao desejo de supremacia, Para se ter uma ideia, seu orgulho era tão acentuado que ele interpretava toda oposição como afronta pessoal.

Sem dúvida alguma, esses traços negativos ofuscaram parte de sua brilhante carreira. Kellogg não imitou o exemplo do Sol que, diariamente, se põe para dar uma oportunidade às estrelas.

No cenário da Igreja, postos de liderança não podem ser vistos como plataforma para o sucesso.

Infelizmente, há pessoas que lutam por posições. Movidas pelo combustível do orgulho, perdem a noção do serviço desinteressado.
Precisamos seguir o exemplo de Jesus, que foi um líder servidor. Como sabemos, Ele foi tentado a aceitar a traiçoeira oferta de Satanás: “Tudo isto Te darei se prostrado, me adorares” (Mateus 4:9), mas não Se deixou enganar. O Filho de Deus tinha certeza de ser o dono de tudo, mas Sua obra não consistia em poder e grandeza, e sim no espírito de serviço.
Nossa Igreja avançará mais em seu crescimento espiritual e na obra de evangelização, quanto seus líderes, em todos os níveis, forem humildes e abnegados. O status de líder e o título de doutor não qualificam ninguém para o Céu. Mas há também, em nosso meio, pessoas de limitado conhecimento que lutam por poder e supremacia. O orgulho não escolhe cor nem condição social. Por isso, a atitude de joão Batista é digna de imitação: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (João 3:30).

2° - Espírito independente – Um dos grandes defeitos de Kellogg foi sua tendência de agir por conta própria. Ele se achava auto-suficiente. Sua palavra devia ser a primeira e a última.

Com esse espírito, lutou insistentemente para que a obra médica adventista perdesse sua identidade denominacional. Em 1895, ao estabelecer o American Medical Missionary College, exigiu que a identidade denominacional fosse dissociada da escola. Ele disse: “Esta não é uma escola sectária. Doutrinas sectárias não devem ser ministradas nesta escola médica. Seu propósito é ensinar ciência médica, tanto teórica quanto pratica”.13

Preocupada com essa tendência separatista, Ellen White escreveu 17 cartas ao Dr. Kellogg em 1898, num total de 113 páginas. Algumas delas continham palavras de advertência. No ano seguinte, ela escreveu 26 cartas, cada uma com média de nove páginas. Eram conselhos e advertências impregnados de amor e compreensão.

Com o correr do tempo, porém, a Sra. White percebeu que John H. Kellogg começou a desprezar suas mensagens e conselhos, perdendo de vista os objetivos da obra médico-missionária. Embora amargurada, continuou, continuou a trabalhar e orar por ele, comunicando-se com ele por meio de cartas.

Em nosso dias, há indivíduos que também procuram agir por conta própria no âmbito da igreja. “Ha demasiada condescendência com a independência de espírito entre os mensageiros. Isto tem que ser posto de lado, e cumpre que os servos de Deus se unam mais uns aos outros”.14

3º – Insubmissão – Pessoas arrogantes não gostam de conselhos, pois se consideram auto-suficientes. Essa foi uma das facetas de John H. Kellogg. Obviamente, ele tinha vasto conhecimento em sua área. Pesquisador incansável, debruçava-se sobre livros até altas horas da noite, após um dia de múltiplas atividades. Mas na, obra de Deus, não aprendeu a lição de casa: a humildade. Sem essa virtude, ninguém aceita conselhos e, muito menos, advertências.

No contexto do debate a respeito de conceitos panteístas, Arthur L. White esreceu: “Nessa época, Kellogg não se sentia inclinado a receber mensagens de advertência e reprovação. Ele se ofendeu com as admoestações e declarou que ela [Ellen White] se havia insurgido contra ele. Ameaçou pedir demissão de seu trabalho e romper sua conexão com os adventistas do sétimo dia. Isso quase a deixou prostrada.”15 Nessa ocasião, Ellen White redigiu duas ou três cartas, mas hesitou em enviá-las ao destinatário, temendo suas reações.

A Igreja, hoje, sofre pelo fato de haver em seu meio algumas pessoas insubmissas aos conselhos divinos. A esses diz a Palavra de Deus: “Por que o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da disciplina são o caminho da vida” (Provérbios 6:23).
Quando era jovem, Kellogg acatava os conselhos de Ellen White, e até morou por algum tempo na casa dela. Anos depois, “ao ela adverti-lo contra o panteísmo, excesso de trabalho e de ambição, e instá-lo a dar mais atenção à vida espiritual, bem como ao organismo de seus pacientes, ele se distanciou mais e mais de sua influência.” 16

De modo geral, indivíduos que ensinam doutrinas contrárias aos postulados bíblicos, não gostam de conselhos.

Apesar das atitudes questionáveis que ofuscaram a vida de John H. Kellogg ele deixou um exemplo digno de imitação: amor pelas crianças e jovens carentes. Schwarz enfatiza que “a generosidade de Kellogg em prover um lar para mais de quarenta crianças carentes tornou-se amplamente conhecida. O impacto de seu exemplo jamais poderá ser avaliado plenamente.”17 E nessa missão, ele e a esposa Ella não faziam acepção de pessoas.

Conclusão – Do ponto de vista profissional e secular, John H. Kellogg foi uma estrela de primeira grandeza. Já no contexto da Igreja e do relacionamento com seus líderes, deixo muito a desejar.

A grande lição que fica é a de que, na obra de Deus, brilho profissional e inteligência não eximem de uma vida fé, abnegação e humildade. Caráter fala mais alto do que reputação. Caráter é o que realmente somos à vista de Deus, ao passo que reputação é o que as pessoas pensam sobre nossos feitos.

Em nossa esfera de ação, submetamo-nos diariamente a Deus e trabalhemos unidos para cumprir a missão que Ele nos confiou. Diz a Bíblia: “Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente” (Daniel 12:3).

Nada, neste mundo, excede o brilho dos que servem a Deus com reverência e humildade.

Referências
1.Richard W. Schwarz - John Harvey Kellogg (Hagerstown: Review and Herald , 2006), p. 231.
2.Citado por Herbet E. Douglas - Mensageira do Senhor (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001),p. 295.
3.Sevent-day Adventist Encyclopedia (Washington: Review and Hearld, 1976), v. 10, p. 722.
4.Leroy Edwin Froom - Movement of Destiny (Washington: Review and Hearld, 1978), p. 349.
5.Ibid.
6.Ellen G. White - Testemunhos Para a Igreja (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006), v. 8, p. 295.
7.General Conference Bulletin, 12 de fevereiro de 1893, p. 83.
8.Citado por Herbert E. Douglas, op. Cit., p. 295.
9.Ellen G. White, Carta 125, 1902
10.Citado por Enoch de Oliveira - A Mão de Deus ao Leme (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1988), p. 191, 192.
11.C, Mervyn Maxwell - História do Adventismo (Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1982), p. 226.
12.Richard W. Schwarz, op. cit. p. 144.
13.Arthur L. White , Ellen White, A Woman of Vision (Hagerstown: Review and Herald, 2000), p. 351.
14.Ellen G. White – Testemunhos Para a Igreja (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000) v. 1, p. 113.
15.Arthur L. White - op. cit., p. 352.
16.C. Mervyn Maxwell - op. cit., p. 227.
17.Richard W. Schwarz - op. cit. p. 160.

Fonte: Literalmente Verdade

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